Busca-se no presente artigo responder à questão sobre o que é a maternidade: instinto ou construção? Realiza-se, com essa finalidade, uma análise histórica e filosófica do papel da maternidade. Sobre tal questão, Elisabeth Badinter (1985), ao publicar seu livro “Um amor conquistado: o mito do amor materno”, recebeu, juntamente com inúmeros elogios, inúmeras críticas, as quais poderão aqui ser também, de início, levantadas, tais como: tem o filósofo o direito de estabelecer a existência ou a inexistência de um instinto, seja ele qual for? Não se deve deixar ao biólogo a tarefa de responder a essa pergunta? Alguns dos leitores de Badinter inclusive apontaram ser impossível tratar dessa temática sem considerar os dois hormônios da maternidade: a prolactina e a ocitocina. Outros ainda consideraram inadmissível o uso da história para explicar uma tese que não é propriamente da competência nem do filósofo, nem do historiador.
Todavia, apesar de todos esses apontamentos, Badinter levantou uma questão que muito nos interessa aqui, que é a seguinte: quais são os limites da filosofia? A filosofia, aliás, possui um limite? De que serve o discurso filosófico senão para questionar novamente as verdades aceitas e analisar todos os sistemas de pensamento? Pode-se proibir ao filósofo a reflexão sobre os pressupostos da biologia ou da história? Por que poderiam considerar o filósofo inapto para ler a história, ou para interpretar comportamentos, se dispõe dos mesmos materiais que o historiador?
"A filosofia tudo indaga, isto é, para filosofia não existem postulados inquestionáveis." - Elisabeth Badinter
A Mulher e a Maternidade: Junção de Dois Papéis
A maternidade, como bem observa Maria de Jesus Correia (1998), possui por pano de fundo a dinâmica da sociedade dentro de determinado momento histórico. Desse modo, para compreensão da maternidade é preciso, antes de tudo, situar a sociedade dentro da qual a maternidade está em análise, pois a definição de maternidade engloba um sistema de valores relacionados com o que é a mulher bem como sobre o que é o filho. Além disso, a relação com a maternidade também varia a depender das classes sociais.
Segundo Badinter (1985), na Antiguidade e na Idade Média havia uma desvalorização da maternidade devido à ênfase conferida ao poder paternal, o qual possuía autoridade sobre os filhos e a esposa. Nesse contexto, a constituição da família, até o século XVIII, era pautada na ideia do contrato e a mulher equiparava-se aos filhos, ambos submissos à figura do pai. Os laços de afetividade eram desnecessários para manutenção familiar. No entanto, no último terço do século XVIII, com a ascensão da burguesia, há um deslocamento da autoridade paterna ao amor materno, devido ao fato de a nova ordem econômica impor como imperativo, entre outros, a sobrevivência das crianças. Dessa forma, após 1760, houve a exaltação ao amor materno como um valor natural e social, favorável tanto à espécie como à sociedade, incentivando a mulher a assumir os cuidados da prole.
Nesse sentido, nascem dois discursos que objetivavam modificar a atitude da mulher perante os filhos. O primeiro é o discurso econômico, o qual se apoiava em estudos demográficos e demostrava a importância do índice populacional para o país, alertando sobre os perigos decorrentes de um declínio populacional em toda a Europa. O segundo discurso era o liberalismo, que se aliava ao discurso econômico, favorecendo ideais de liberdade, igualdade e felicidade individual.
O Papel Social da Mãe
No século XVIII e início do século XIX, a mulher passou a ser vista como a figura central para os cuidados e educação dos filhos. A partir disso, o amor e o cuidado materno passaram a ser valores exaltados, e a mulher foi cada vez mais responsabilizada por garantir o bem-estar das crianças. A devoção ao papel de mãe ganhou importância, e, ao mesmo tempo, qualquer desvinculação desse papel começou a ser tratada como uma anomalia ou patologia.
Essa transformação do papel da mulher e sua ligação com a maternidade é um reflexo das mudanças sociais e políticas que ocorreram ao longo da história. A maternidade, que antes era desvalorizada, tornou-se uma função essencial e inquestionável para a mulher dentro do contexto social, porém, isso é visto hoje como uma construção social, e não algo intrínseco à natureza feminina.
"O amor maternal não se encontra inscrito na profundidade da natureza feminina." - Elisabeth Badinter
É necessário ressignificar a maternidade e entender que ela pode ser fruto de um processo social e não de uma verdade inquestionável, trazendo novas reflexões sobre o que é ser mãe na atualidade.
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